segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Wassily Kandinsky (1866-1944): Linha Transversa, 1923

Madame Bovary: a produção dos extremos



Madame Bovary é um texto ímpar na história da literatura ocidental. Escrito e publicado em meados do século XIX, o romance de Gustav Flaubert dispensa apresentações, sendo uma das evidências mais contundentes das maravilhas que o gênio literário pode criar. Partindo de um enredo do qual, à primeira vista, só poderia sair algo medíocre, Flaubert consegue engendrar umas das tramas mais brilhantes da literatura e ainda fazer uma análise extremamente preciosa da sociedade e principalmente dos valores da burguesia nascente. Além de tratar-se de um retrato da frança provinciana da época, o livro é um ótimo remédio contra o as idealizações românticas que ainda hoje impregnam o olhar dos leitores mais desatentos. Flaubert promove em Madame Bovary a demolição do romantismo para, sobre seus escombros, construir um obra magistral. Quando me decidi a ler o volume (razoavelmente denso, umas 400 páginas) não esperava encontrar algo que pudesse impressionar-me tanto. Mas como sempre, os clássicos nos esmagam. O livro se inicia com uma atmosfera entediante e vai tomando corpo até que chega um momento em que é absolutamente impossível parar de lê-lo. A construção dos personalidades é lenta e linear, vamos os conhecendo página a página ao longo do livro, sob os auspícios de uma narração sutil e ao mesmo tempo sagaz. O livro é uma aula de estilo. Há um constante desenvolvimento na complexidade de cada personagem ao longo do livro, nem um deles é constante ou virtuoso. Começamos amando os que terminamos odiando e começamos odiando os que terminamos amando. Emma Bovary, a personagem central, que em meados do livro começa nos despertar um certo desprezo por seu excesso de volúpia e ao mesmo tempo de ingenuidade, caminha , ao final do romance, para um personagem grandiosamente trágico. O farmacêutico Homais que, à primeira vista, desperta uma certa simpatia com suas críticas ao catolicismo e seu elogio da razão acaba, depois de certo tempo e pelos mesmos motivos que antes despertaram simpatia, tornando-se um dos personagens odiosos de toda a literatura. O mesmo acontece com todos os outros personagens, entre eles, Charles Bovary que se revela um grande homem (a vontade que se tem ao final é de abraçá-lo e chorar com ele) e Léon ,o jovem de aspirações românticas que acaba por se render à segurança da vida burguesa . A grandiosidade de Madame Bovary está em sua capacidade de fazer com que o leitor inicie sua leitura com um sorriso de escárnio e termine-a com lágrimas nos olhos.